6 de setembro de 2014

Clube das Quatro-horas

Sexta feira, 17:00.

Saio do curso de Espanhol pensando na melhor forma de chegar em casa. mas não tinha. Fiquei 20 minutos esperando o onibus, que veio vazio. Ainda faltavam uns 50km pra chegar em casa. Ou mais. Fiquei com preguiça de ver no Google Maps.

Ainda dentro do campus da UFRJ vejo muitos, muitos carros parados. Inocente, mal sabia que estava prestes a pegá-lo. Sim, o maior engarrafamento da minha vida. E pensar que estava de sapatilha sem meia-calça. Meu dorso do pé ia congelar no ar condicionado.

Duas mulheres começam a falar de no banco de trás. Reclamar do trânsito. Que sempre tem.
Uma terceira é incluída na conversa. Passa alguns minutos. E mais uma se inclui. Eu, claro. Porque eu falo pra caramba e não ia aguentar mais tantas horas no silencio até chegar em casa.

Ao longo do assunto, Marileide comenta que não vai aguentar a fome até chegar em casa. "Tenho que comer de 3 em 3 horas. Eu fiz redução de estômago". Abre então a bolsa e tira um pacote de Nesfit. "Achei, achei! alguém, quer". Quero comentar que foi linda a felicidade em seu rosto.

Então Pindanga diz: "Eu nunca pego esse ônibus. Nunca fui em Niterói. Peguei esse só pra descer na Av. Brasil mesmo. Mas esse ônibus pelo menos parece confortável."

Eu e as outras duas passageiras rimos.
" Você que pensa. Tem vezes que bate 5 graus celsius. E esse banco dá dor no cóccix". - digo.
Porque dá mesmo. Muita dor.

Já eram 18:00. A gente ainda não tinha saído do Fundão. Ouço mais do que falo. Mas se eu não me concentrasse na conversa a hora nunca que iria passar.

Ambas começam a falar sobre o bairro em que moram, seus trabalhos, suas famílias. Só ouço.
Mais ou menos durante esse momento entra um senhor de meia idade no onibus. ele come

"Sério que você mora no Fantástico Mundo de Oz? Minha filha mora lá. O nome dela é Astrogilda, o marido dela é Nurialdo. Conhece?" - diz Carmelicia.
Marileide responde: "Ele é filho de um senhorzinho, seu Ezi..Eli..Eizi... ah, não sei."
Carmelicia: "Isso, seu Edizi.. não, Izeli... não... espera que vou lembrar".

"Gente, é o mesmo, e esse aí" - se intromete Carlito, recém agregado ao grupo.
Passam mais alguns minutos. As 19:00 finalmente chegamos na Avenida Brasil. Pindanga levanta.
"Bem que você disse que o banco dói" - ela fala

Entra um vendedor ambulante no onibus. TODOS OS PASSAGEIROS compram algo. Marileide compra dois pacotes e coloca na bolsa: "é sempre bom ter para alguma emergência". Em seguida tira uma selfie pra postar no Facebook.
Eu falo: "Sério que você vai rir na selfie? Se vc quiser eu tiro uma foto sua com cara de derrota, vai ser mais condinzente com a situação."

21:00. Subimos a ponte.

"É seu Elísio!" - grita Carmelicia.

Depois cada um desceu  e pegou seu ônibus pra sua casa.


p.s.: A história é toda verdade. Menos os nomes que possam comprometer a privacidade dos atores.











1 de setembro de 2014

É que a minha mão treme

Final da prova.

"Professor, vou tirar uma foto do cartão resposta pra conferir com o gabarito depois, tá?"

Ele faz que sim com a cabeça. Ele devia ter uns 70 anos.
Deixo o celular pertinho do papel e começo a fotografar.

"Por que você tira a foto tão de perto?"

"Ah, professor, é que minha mão treme. De pertinho a chance de erro é menor"

"E como você faz pra tirar selfie pra postar?"

"Então... eu não costumo tirar selfies."

"Logo porque sua mão treme? Vou te ensinar um truque. Você tem que ajustar a sua câmera pra tirar a foto bem rápido, antes que você trema. Entendeu?"

"Ah, entendi. Obrigada"

Não, eu não pretendo começar a tirar selfies da minha cara acordando, no onibus, na sala de aula, no hospital, jantando, nem nada do tipo. Na verdade eu não pretendo tirar selfie nenhuma. Todo o mundo já conhece a minha cara, minhas marquinhas de rosácea e meus cílios finos. Minha vontade de tirar selfie ou de criar um instagram são tão grandes quanto a minha vontade de comer rúcula. Mas eu queria que o coroa se sentisse útil e feliz, sabe como é.

6 de setembro de 2014

Clube das Quatro-horas

Sexta feira, 17:00.

Saio do curso de Espanhol pensando na melhor forma de chegar em casa. mas não tinha. Fiquei 20 minutos esperando o onibus, que veio vazio. Ainda faltavam uns 50km pra chegar em casa. Ou mais. Fiquei com preguiça de ver no Google Maps.

Ainda dentro do campus da UFRJ vejo muitos, muitos carros parados. Inocente, mal sabia que estava prestes a pegá-lo. Sim, o maior engarrafamento da minha vida. E pensar que estava de sapatilha sem meia-calça. Meu dorso do pé ia congelar no ar condicionado.

Duas mulheres começam a falar de no banco de trás. Reclamar do trânsito. Que sempre tem.
Uma terceira é incluída na conversa. Passa alguns minutos. E mais uma se inclui. Eu, claro. Porque eu falo pra caramba e não ia aguentar mais tantas horas no silencio até chegar em casa.

Ao longo do assunto, Marileide comenta que não vai aguentar a fome até chegar em casa. "Tenho que comer de 3 em 3 horas. Eu fiz redução de estômago". Abre então a bolsa e tira um pacote de Nesfit. "Achei, achei! alguém, quer". Quero comentar que foi linda a felicidade em seu rosto.

Então Pindanga diz: "Eu nunca pego esse ônibus. Nunca fui em Niterói. Peguei esse só pra descer na Av. Brasil mesmo. Mas esse ônibus pelo menos parece confortável."

Eu e as outras duas passageiras rimos.
" Você que pensa. Tem vezes que bate 5 graus celsius. E esse banco dá dor no cóccix". - digo.
Porque dá mesmo. Muita dor.

Já eram 18:00. A gente ainda não tinha saído do Fundão. Ouço mais do que falo. Mas se eu não me concentrasse na conversa a hora nunca que iria passar.

Ambas começam a falar sobre o bairro em que moram, seus trabalhos, suas famílias. Só ouço.
Mais ou menos durante esse momento entra um senhor de meia idade no onibus. ele come

"Sério que você mora no Fantástico Mundo de Oz? Minha filha mora lá. O nome dela é Astrogilda, o marido dela é Nurialdo. Conhece?" - diz Carmelicia.
Marileide responde: "Ele é filho de um senhorzinho, seu Ezi..Eli..Eizi... ah, não sei."
Carmelicia: "Isso, seu Edizi.. não, Izeli... não... espera que vou lembrar".

"Gente, é o mesmo, e esse aí" - se intromete Carlito, recém agregado ao grupo.
Passam mais alguns minutos. As 19:00 finalmente chegamos na Avenida Brasil. Pindanga levanta.
"Bem que você disse que o banco dói" - ela fala

Entra um vendedor ambulante no onibus. TODOS OS PASSAGEIROS compram algo. Marileide compra dois pacotes e coloca na bolsa: "é sempre bom ter para alguma emergência". Em seguida tira uma selfie pra postar no Facebook.
Eu falo: "Sério que você vai rir na selfie? Se vc quiser eu tiro uma foto sua com cara de derrota, vai ser mais condinzente com a situação."

21:00. Subimos a ponte.

"É seu Elísio!" - grita Carmelicia.

Depois cada um desceu  e pegou seu ônibus pra sua casa.


p.s.: A história é toda verdade. Menos os nomes que possam comprometer a privacidade dos atores.











1 de setembro de 2014

É que a minha mão treme

Final da prova.

"Professor, vou tirar uma foto do cartão resposta pra conferir com o gabarito depois, tá?"

Ele faz que sim com a cabeça. Ele devia ter uns 70 anos.
Deixo o celular pertinho do papel e começo a fotografar.

"Por que você tira a foto tão de perto?"

"Ah, professor, é que minha mão treme. De pertinho a chance de erro é menor"

"E como você faz pra tirar selfie pra postar?"

"Então... eu não costumo tirar selfies."

"Logo porque sua mão treme? Vou te ensinar um truque. Você tem que ajustar a sua câmera pra tirar a foto bem rápido, antes que você trema. Entendeu?"

"Ah, entendi. Obrigada"

Não, eu não pretendo começar a tirar selfies da minha cara acordando, no onibus, na sala de aula, no hospital, jantando, nem nada do tipo. Na verdade eu não pretendo tirar selfie nenhuma. Todo o mundo já conhece a minha cara, minhas marquinhas de rosácea e meus cílios finos. Minha vontade de tirar selfie ou de criar um instagram são tão grandes quanto a minha vontade de comer rúcula. Mas eu queria que o coroa se sentisse útil e feliz, sabe como é.