O celular despertou. 5:30. Talvez só mais um soninho... E
daí ao invés de apertar “soneca” eu aperto “silenciar”. E caio no sono
profundo. E o sonho que eu estava tendo continua. Eu estou andando a cavalo
numa plantação de girassóis. É, nada a ver. Cavalos e girassóis. Eu devo estar
sonhando. É como se o meu “eu” do sonho estivesse conectado com o meu “eu” do
mundo real. Abro os olhos e olho pro celular. 5:58! DROGA! Eu pulo da cama
gritando, falando palavrões e batendo a porta do quarto. Passo na área de
serviço e pego minha toalha estendida no varal, na volta passo pela cozinha e
tomo meu omeprazol ao mesmo tempo em que coloco pó de café e água na cafeteira.
É um ciclo. Tomar café pra ficar acordada e tomar omeprazol pra amenizar a gastrite.
Vou então para o banheiro e entro debaixo do chuveiro já com a escova de dentes
coberta de pasta. Não creio: a água desce fria. Olho pra cima e o chuveiro
marca inverno. “Só faltava essa porcaria quebrar”. Tomo banho frio revoltada e
sinto que meu couro cabeludo continua oleoso, porque em um banho frio não há
paciência ou coragem pra usar o xampu direito.
Saio do banho me enxugando loucamente ao mesmo tempo em que
deixo um rastro de água pela casa. Coloco uma regata e uma calça jeans. 6:20.
Ligo pra Bia e digo que ela pode ir sem mim pra aula, que eu vou chegar
atrasada. O que é péssimo, porque perder carona é como perder comida. Passo na
cozinha e coloco o café na xícara com um pouco de adoçante. Isso nunca vai
funcionar, o médico foi bem específico: 1 hora de intervalo entre o remédio e o
café da manhã. Eu só dei pouco mais de 20 minutos. Vou tomar o café e... ai!
Quente, quente, queimei a língua. Cuspo no chão porque a essa altura eu já
levei o café pra sala porque deixei a sapatilha ao lado da porta no dia
anterior. Desisto!
Limpo o chão, penteio
o cabelo e saio de casa cheia de fome. Jogo a mochila nas costas e desço
a escadaria do prédio, porque o elevador não tá no meu andar e eu tenho
preguiça de esperar. Desço a rua correndo pra ver o ônibus passar de longe.
Tinha lugar pra ir sentada. Ódio.
Continuo andando e fico 10 minutos esperando o próximo
ônibus. Ele chega e eu vou em pé. Nenhuma alma se oferece pra carregar minha
mochila. Que só tem um livro de 1500 páginas pra entregar na biblioteca da
faculdade. No meio do caminho o transito para e eu vejo um carro igual ao de
Bia todo esmagado. Ai. Meu. Deus.
Será que eu ter perdido a hora foi um plano de Deus pra eu
ficar viva? Mas daí eu olho melhor pro carro e vejo que ele tem placa, que não
sei porque diabos ficou intacta, de Curitiba. O transito está parado e eu me
aborreço mesmo. Começo a chorar. A senhora na minha frente olha pra mim e faz
cara de preocupada. E então eu começo:
”Eu perdi a hora, perdi minha carona, queimei minha língua
com café, estou com dor no estomago, essa calça está apertada porque eu
engordei 3 kg no mês passado depois que meu namorado terminou comigo e pra
piorar semana fiz um canal dentário no cartão de crédito que eu não sei como
vou fazer pra pagar. Minha vida é uma droga!”
A mulher continua olhando pra mim e diz: “ Você está
reclamando do quê? Eu moro em Maricá e trabalho em Paquetá, minha filha de 16
anos está grávida e a minha mãe tem Alzheimer. Você tem noção do quanto é longe
daqui até Paquetá? Eu peguei esse ônibus 5:30 e só vou chegar no trabalho 9:00!
E minha mãe ainda acha que a minha filha sou eu!”
“Desculpa,” falo soluçando enquanto todo mundo no ônibus
olha pra nós duas. Até os com fone de ouvido. Imagino que tenham colocado o
fone no mudo só pra nos ouvir melhor. “Não quis pertubar. “
Um menino de uns 13 anos com uniforme de escola olha pra mim
e oferece um Trakinas. “Toma moça, ouvi que você tava com fome.” Ao que eu
respondo: “obrigada, posso pegar 2?” E ele assente que sim. Como o chocolate e
fico mais feliz um pouquinho. Mas agora que há glicose em meu sistema nervoso
central eu tomo vergonha na cara e desço do ônibus pra pegar o próximo, porque
não quero ninguém me olhando como se eu fosse maluca.
Então eu paro numa
padaria compro uma Fanta uva superfaturada e sento no banco do ponto de ônibus.
Paro, penso, e pego um coletivo de volta pra casa. Onde durmo até meio-dia. Sem
sonhos.
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